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domingo, 9 de março de 2008

VINÍCIUS NA PAULICÉIA

Em dezembro de l965, repórter de "A Gazeta", da Fundação Cásper Líbero, fui fazer uma matéria com o Poeta mais famoso da época, Vinicius de Moraes. A turma do Poetinha como era carinhosamente reconhecido iria dar um show no Teatro Municipal de S. Paulo, em benefício às instituições de caridade. O convite partiu de dona Zilda Natel, esposa do Prefeito de S. Paulo, Laudo Natel. Era por volta das 21 horas, quando o meu Chefe de Reportagem, Hélcio de Castro, recomendou-me a entrevista: -Já que você é literato, faça a entrevista com Vinicius de Moraes, que está ensaiando no Municipal! Entregue-a antes da meia-noite, no fechamento da edição!

E lá fui eu contente, pois era admirador incondicional do mestre Vinicius para a cobertura. Já o tinha conhecido antes no Rio, no famoso bar Antonio's, em Ipanema. Naquela época, andávamos duros, sem um tostão no bolso e o nosso grupinho de candidatos à Literatura ficávamos numa choperia em frente batendo papo em Inglês, pois ali freqüentava muitos turistas americanos e quando algum deles notava que nós falávamos a língua materna pagava alguns chopes para atravessarmos a noite carioca. E foi pelo vidro em frente, que notei a presença de Vinicius e fui depressa invadir sua privacidade e bater papo com o Poetinha.
Falei-lhe que estava mudando para S. Paulo e dei-lhe meu endereço. O xará, Marcus Vinicius, foi atencioso e semanas após, mandou-me um livro de presente "Para Viver um Grande Amor".

Dito e feito fui lá com o fotógrafo Rebello para a reportagem. Quando adentrei o Municipal estavam terminando o ensaio da primeira parte do espetáculo. Vinicius e toda a sua turma carioca: Tom Jobim, Baden Powell, Toquinho e outros elementos destacáveis no cenário musical nacional. Aproximei-me e já fui falando: Vim para uma entrevista.
Está disponível? O Poeta reconheceu-me e disse prontamente: -Foi bom que você veio? Já estava passando da hora de "bicar” um pouquinho.Levei para o bar da moda: Juan Sebastian Bar. Vinicius já foi pedindo seu uísque predileto. E o "capitão-do- mato, poeta, diplomata, o branco mais preto do Brasil já foi falando: -Precisava vir urgentemente a São Paulo para desfazer um equivoco. Atribuíram -me que tinha dito que "São. Paulo era o túmulo do samba". Nada disso, gosto da Paulicéia e algum jornal publicou a frase. A convite da Prefeitura vim mostrar o nosso amor a São. Paulo pela sua terra e sua gente...


Perguntei-lhe dos livros publicados e o Poeta retrucou: -Vamos falar de temas mais amenos: como o do Amor e evidentemente a Mulher. A propósito do livro "Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito: é preciso também ter muito peito - peito de remador.
É preciso olhar sempre a bem- amada como a sua primeira namorada e sua viúva também , amortalhada no seu finado amor."Continuou: “Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo/ Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz/ A flor dos lábios entreaberta para o beijo/ A pele a fulgurar todo o pólen da luz".
Sobre a solidão falou: "A maior solidão é a do ser que não ama, é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo."

E assim viramos a noite batendo papo e o poeta recitando parte de seus versos. Quando dei pela coisa, tínhamos esvaziado algumas garrafas de uísque e os raios de sol já apareciam no horizonte. Eram seis horas da manhã e os garçons de braços cruzados aguardavam a nossa saída. Dei conta de que não aparecera no jornal para entregar a reportagem, que quase me valeu o bilhete azul do Editor. Mas no fundo estava aliviado: tinha conversado com o Poeta Maior.

Fui visitá-lo antes, de sua morte no Rio de Janeiro, em julho de 1980. E carrego ainda comigo os seus versos daquele encontro, em que aprendi que a poesia é ave que nos transporta para o infinito e somente ela poderá salvar o mundo de amanhã. Vinicius de Moraes, antes de partir, deixou-nos esta mensagem: "Meus amigos, se durante o meu recesso virem por acaso passar a minha amada/ Peçam silêncio geral. Depois/ Apontem para o infinito. Ela deve ir/ Como uma sonâmbula, envolta numa aura/ De tristeza, pois seus olhos/ Só verão a minha ausência”.


*Marco Antônio Soares de Oliveira é jornalista e escritor

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