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sexta-feira, 3 de julho de 2009

PRATO DO DIA

Hoje o almoço foi arraia, mais precisamente, moqueca. Uma delícia! Moqueca extremamente temperada e molhada, acompanhada com arroz. E como sou bem cearense meu prato levou feijão. Gosto dessa mistura. Posso até dizer sem sombras de exagero que preciso dessa combinação. Um dia sem feijão parece-me um dia vazio... Não o vazio como o vazio que ficou depois de sua partida. Mais um dia vazio como o dia de quem não almoçou ou quando o almoço é pouco. Pessoas com dieta devem entender bem desse vazio de que falo. Pessoas com dieta... dieta...
De repente, imaginei uma nova doença macabra, incurável e extremamente contagiosa. Já notou que quando existe alguém em dieta todo o ambiente procura imediatamente ficar magro e quase que num mesmo milésimo de segundo todos os neurônios de todos os mortais a um raio de 20 metros do ser em dieta passa a buscar em suas memórias todas as mandingas para emagrecer? Definitivamente, dieta é contagiosa. E por favor, não coloque culpa nos gordos! Eu não agüentaria outra desilusão! Mas, era su-cu-len-ta! A moqueca. Não a ausência que você sem querer, deixou.

Água na boca antes de comer. Gosto no arroto depois. O dia inteiro com o gosto na boca... Vai ver que é assim o protesto da arraia. Deixarmo-nos o dia inteiro com seu gosto forte no paladar. O gosto fica e me lembra de que é um gosto do passado. De um guloso momento de prazer. Mas, lembro também que a arraia está morta e literalmente virou comida não de peixe, mas de gente. Aí o gosto começa a causar desconforto, mal estar, ânsia. E nem todo dentifrício do mundo o elimina.
Porque o gosto não está nos dentes nem na língua. Ele vem do estômago para a boca. Será que todos os gostos do passado ficam inconvenientemente amargos? Talvez, seja essa metáfora do amargo com o passado que nos faz lutar desesperadamente para nos livrarmos das lembranças. Coisa cruel é lembrança. Cruel e teimosa. Arteira também. Quando percebemos lá está ela de novo no presente. Lembrando, no presente, o passado... como agora, neste meu instante descuidado...

Mas, voltemos a falar de arraias. Tão impetuosas! Mais ave do que peixe! Penso que sejam rainhas do mar. Gosto do mar, das ondas e queria andar como astronauta no fundo do oceano. Saber dos peixes e das pedras e fazer meu cabelo como algas: bailarinas enraizadas. Brincava assim quando criança. Ainda brinco, é que são cada vez mais esparsas as minhas idas à praia. Deitava entre as pedras – naquelas piscininhas que o mar forma pra mostrar que não precisa de azulejos quando quer nos acolher – esticava as pontas do cabelo e ficava olhando: fios dourados nadando.
Pensava em peixe, algas, plantinhas e secretamente imaginava que, na verdade, na verdade, eu era uma sereia que se perdeu em uma noite de maré cheia e que ficou na terra sem rabo de peixe. E quando eu nado no mar, com pernas juntas, secretamente relembrando meu rabo de sereia, quem olhar com precisão vai perceber que minhas pernas quando unidas mostram as nadadeiras que possuem nas pontas... Nasci às 19h30min de uma segunda feira. Então faz sentido eu ter me perdido – quando era sereia – numa noite de maré cheia...


*Klycia Fontenele é jornalista, contista e poetisa
E-mail: klyciafontenele@gmail.com

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